Quando Carlos Ghosn escapou da prisão domiciliar no Japão e surgiu em Beirute no domingo (29), o ex-presidente do conselho da Nissan deixou poucas pistas de como ele não somente evadiu o monitoramento 24 horas, mas também como ele fugiu do país com todos os seus três passaportes ainda nas mãos de seus advogados.
Uma operação elaborada envolvendo uma caixa de instrumento musical e uma companhia de segurança privada aparentemente realizaram o artifício, divulga o canal libanês MTV. Uma fonte de notícias francesa identificou a esposa de Ghosn como a cabeça por trás da fuga.
Membros de uma banda foram jantar na residência onde Ghosn estava confinado desde abril de 2019 como uma condição de sua liberdade sob fiança. Quando os artistas saíram, eles levaram Ghosn junto – escondido em uma caixa para instrumentos musicais – e ele viajou pelo Aeroporto de Kansai, em Osaka, disse a MTV, sem citar fontes.
Ghosn viajou ao Líbano via Turquia a bordo de um jato privado e entrou no país com um passaporte francês. Registros japoneses de voo mostram uma aeronave privada partindo da área do Aeroporto de Kansai com destino à Turquia na noite de domingo.
Jatos privados de passageiros devem seguir os mesmos procedimentos de saída que os voos comerciais. Mesmo assim, um oficial sênior no Ministério da Justiça que supervisiona a imigração, disse que o ministério não pôde confirmar o método de partida de Ghosn em sua base de dados.
O ex-presidente do conselho da Nissan foi preso em novembro de 2018 sob acusações de má conduta financeira na Nissan e estava aguardando julgamento. O caso espalhou críticas internacionais sobre o sistema de justiça do Japão e se tornou um cause célèbre no Líbano, onde Ghosn é visto como herói nacional. Sem tratado de extradição entre Tóquio e Beirute, sua fuga poderia paralisar o caso.
Ghosn se encontrou com o presidente libanês Michel Aoun após sua chegada e agora desfruta de “notável” proteção do governo, de acordo com a MTV.
O Diretório Geral de Segurança do Líbano disse que Ghosn entrou no país legalmente e não enfrentará consequências, de acordo com a agência estatal NNA.
Os passaportes brasileiro, francês e libanês de Ghosn estavam nas mãos de seus advogados como condição da fiança. Junichiro Hironaka, o advogado principal da defesa de Ghosn, pareceu preocupado com a fuga de seu cliente e disse que a notícia surgiu inesperadamente. Ele negou qualquer envolvimento.
“Seria difícil (para Ghosn sair do Japão ilegalmente) a menos que uma grande organização estivesse envolvida”, disse Hironaka.
O jornal francês Le Monde divulgou na terça-feira (31) que a fuga foi planejada pela esposa de Ghosn, Carole, que estava no avião quando chegou a Beirute.
O ex-líder da Nissan tem forte ligação com o Líbano. Nascido de uma família libanesa imigrante no oeste do Brasil, ele morou no Líbano desde a tenra infância até a idade do colégio e tem cidadania. Ele é considerado um modelo de sucesso libanês no exterior e dizem ser profundamente confiado por Beirute.
Gebran Bassil, ministro de relações exteriores e emigrantes do Líbano, manifestou preocupação após a prisão de Ghosn em 2018 sobre a custódia prolongada do executivo no centro de detenção de Tóquio. Enquanto em detenção, Ghosn se encontrava frequentemente com oficiais da embaixada libanesa, e proclamou sua inocência à mídia.
O Tribunal Distrital de Tóquio teria revogado a fiança de Ghosn – confiscando o valor de 1,5 bilhão de ienes ($13,8 milhões) pagos pelo ex-presidente do conselho da Nissan – e o ministério de relações exteriores do Japão deve pedir ao Líbano que o entregue.
Contudo, o Japão não tem um tratado de extradição com o Líbano, o que significa que tal transferência teria que ser negociada – algo que nem sempre funcionou para Tóquio no passado.
O Japão pressiona há muito tempo o Líbano para extraditar um criminoso de um ataque em 1972 no que é agora o Aeroporto Internacional Ben Gurion que deixou 26 mortos. Beirute se recusou a entregá-lo e garantiu a ele asilo político em 2000.
“As chances do Líbano concordar com a extradição (de Ghosn) são baixas”, disse uma fonte do governo japonês.
A falha em não trazer Ghosn de volta ao Japão paralisaria os procedimentos. Sob o código criminal do Japão, um julgamento não pode ser realizado se o acusado não aparecer no tribunal, com exceção para certos tipos de crimes pequenos. Os procedimentos pré-julgamento para o caso de Ghosn começaram em maio.
“Ele provavelmente concluiu que tinha pouca chance de ganhar e decidiu deixar o país”, disse uma fonte junto à promotoria.
O ex-presidente do conselho da Nissan emitiu uma declaração na terça-feira criticando o sistema de justiça do Japão e disse que se comunicará com a mídia na semana que vem, sugerindo que ele poderá realizar uma coletiva de imprensa em breve.
“Eu não fugi da justiça – Libertei-me da injustiça e perseguição política”, disse ele.
O ex-diretor da Nissan, Greg Kelly, que foi preso junto com Ghosn e solto sob fiança em dezembro de 2018, deve aparecer no tribunal. Ele manifestou surpresa com a notícia da fuga de seu antigo chefe.
Ghosn “realmente foi e fez algo maluco”, disse um advogado de Kelly.
Sair do país legitimamente “seria provavelmente impossível”, disse o advogado. “Não temos escolha além de aceitar as coisas silenciosamente”.
Fonte: Asia Nikkei