Voltando ao tempo, na década de 1990, começou o boom dos dekasseguis nipo-brasileiros e de outros descendentes de japoneses dos países da América do Sul.
Não passou muito tempo até que a comunidade brasileira passasse do marco de 300 mil pessoas. Foi também o início da coexistência multicultural para o povo japonês.
Um dos locais icônicos é o conjunto habitacional chamado Homi Danchi, na cidade de Toyota (Aichi), onde vivem muitos nikkeis. Dos cerca de 6,7 mil residentes, cerca de 3,8 mil são estrangeiros (57%). Dentre eles, mais de 85% são nikkeis que trabalham em fábricas relacionadas à Toyota Motor.
Hoje, a paisagem do complexo habitacional suburbano é pacífica, mas no passado houve sérios conflitos com os residentes japoneses por causa de violações das regras de coleta de lixo, estacionamento ilegal e barulho noturno causado pelos brasileiros.
Alguns marcos como o de um veículo da extrema direita que foi incendiado em 1999, o qual mobilizou até a tropa de choque pelo enfrentamento das duas partes.
Como os da extrema direita gritavam “fora estrangeiros”, houve reação por parte dos residentes brasileiros. Esse um foi caso emblemático de conflito, enquanto o Homi Danchi foi inicialmente chamado de “caso modelo de coexistência multicultural”.
O número de residentes estrangeiros no Homi Danchi ultrapassou o de japoneses, desde 2017.
Dekasseguis
Os nikkeis sul-americanos começaram a chegar em 1990 com a revisão da Lei de Controle de Imigração e Refugiados, o que lhes permitia o visto de residente de longa duração.
“A aceitação dos nikkeis levava em consideração os laços regionais e de sangue com nosso país, diferente das pessoas chamadas de trabalhadores estrangeiros ou imigrantes”, analisa Shigeru Takaya, 73, ex-diretor do então Departamento de Imigração e professor da Universidade Nihon.
Segundo o professor, “como resultado, muitos descendentes de japoneses vieram ao Japão com o propósito de trabalhar e suas estadias se tornaram mais longas”, já que o visto de residência poderia ser renovado por até 5 anos.
Japão precisava de mão de obra e o cenário no Brasil estava péssimo
O pano de fundo foi a escassez de mão de obra causada pela bolha econômica no final da década de 1980 e o colapso econômico do Brasil. O lado brasileiro também quis que os nikkeis trabalhassem no Japão. Tanto que um deputado nikkei de São Paulo, estado que tem uma grande comunidade nipônica, teria visitado o Japão e apresentado petições aos membros do Partido Liberal Democrata (PLD).
O emprego ilegal de bangladeshianos e paquistaneses era um problema no Japão. “Não sei se foi um esforço político, mas penso que foi importante estabilizar a situação legal com os nikkeis. Pode ser que tivessem pensado de forma simples, de que as pessoas de ascendência japonesa seriam mais facilmente aceitas pela sociedade do que outros grupos étnicos”, analisa o professor Jun’ichi Akashi da Universidade de Tsukuba.
Dekasseguis e os falsos nikkeis
Por outro lado, à medida que o boom dos dekasseguis esquenta, a questão dos falsos nikkeis tornou-se um problema, pois alguns brasileiros e peruanos entraram com documentos falsificados, se passando por descendentes de japoneses. Na década de 2000, o Departamento de Imigração de Osaka investigou e descobriu que, devido a essas falsificações, um idoso japonês tinha muitos filhos e, ao rastrear apenas esses registros, descobriu que ele tinha mil netos.
Permanência mesmo sem saber o idioma japonês
A revisão de 1990 é também conhecida como a Grande Reforma Heisei e é considerada a base para a atual abordagem à aceitação de estrangeiros no país.
Embora não tenha sido aplicada no passado, havia uma disposição que previa a concessão do status de residente permanente ao entrar no país, a qual foi eliminada. Para obter o visto de residente permanente, o estrangeiro deve primeiro permanecer no Japão com um status de residência. Isto evidencia que o Japão não aceita diretamente os “imigrantes”.
Os nikkeis sul-americanos com status de longa duração não têm restrições ao emprego, diferente dos trabalhadores de outros países.
Os nikkeis se estabeleceram em cidades das províncias de Aichi, como Toyota e outras, como também em Hamamatsu (Shizuoka) e Oizumi (Gunma), tornando-se “imigrantes”.
Os governos locais passaram a fornecer suporte de vida que nunca experimentaram antes, como o ensino da língua japonesa e o fornecimento de informações em línguas estrangeiras.
Fenômeno só entre os nikkeis
Conseguiram permanecer no Japão indefinidamente sem tentar aprender o idioma japonês
“Os chineses e coreanos vieram e vêm ao Japão para estudar no exterior e aprender o idioma, mas como os nikkeis são considerados ‘descendentes do povo japonês’, não há questionamentos sobre sua formação acadêmica ou histórico profissional. Além disso, são extremamente relutantes em fazê-lo. Conseguiram permanecer no Japão indefinidamente sem tentar aprender o idioma japonês”, disse um funcionário da Agência da Imigração.
Ele aponta que “pela primeira vez, surgiu uma situação em que estrangeiros que não falam japonês permanecem no Japão por um longo período de tempo”.
Os dekasseguis e a crise de 2008
No seu auge em 2007, havia aproximadamente 300 mil nikkeis, mas no rescaldo da crise econômica desencadeada pela falência dos Lehman Brothers em 2008, o número de nikkeis brasileiros e peruanos caiu. Os trabalhadores brasileiros e peruanos sentiram na pele o chamado ‘haken-giri’ ou corte dos que eram contratados pelas empreiteiras.
O governo japonês incentivou os nikkeis que perderam seus empregos e não conseguiram encontrar uma nova colocação para voltar para casa, oferecendo 300 mil ienes para compra das passagens aéreas para aqueles que desejassem fazê-lo, e aproximadamente 80 mil pessoas aceitaram e se foram.
“Naquela ocasião os dekasseguis se foram. Os que ficaram foi pela decisão de ‘ganbatear’ no Japão”, disse um nikkei nissei residente em Kanagawa.
Atualmente, dos cerca de 3,41 milhões de estrangeiros residentes no Japão, aproximadamente 210 mil são brasileiros. No auge, tinha a terceira posição, depois da China e da Coreia do Sul, mas atualmente está em quinto lugar.
Japão e a aceitação dos imigrantes
O país está em uma situação em que a imigração ainda não é bem vista, mas a verdade é que necessita dos estrangeiros para suprir a falta de mão de obra. A sociedade já não funciona mais sem os estrangeiros.
Portanto, está mais do que na hora de enfrentar a realidade da “sociedade de imigrantes”. São 3,41 milhões de residentes estrangeiros, ou 2,7% da população total.
Do ponto de vista da proteção dos direitos humanos, também existem situações que são preocupantes. O discurso de ódio contra os curdos é um excelente exemplo.
Eles vivem principalmente em áreas montanhosas que abrangem a Turquia, a Síria e o Iraque e são conhecidos como o “maior grupo étnico sem país”. Muitas vezes estiveram envolvidos em guerras e sofreram perseguições. Estima-se que mais de 2 mil curdos vivam nas cidades de Kawaguchi e Warabi (Saitama).
Além dos curdos, ainda há o problema dos estrangeiros que solicitaram asilo e, com as frequentes negações, sobrevivem em condições precárias com o karihomen (仮放免).
Fontes: Sankei e Mainichi