
Japoneses defendem imigrantes em protesto, mas ausência de estrangeiros preocupa (foto -Rosângela Lesnock)
No domingo (23) em Hamamatsu (Shizuoka), diante de uma pequena manifestação convocada por um ativista contrário à presença de estrangeiros no Japão, vivi uma daquelas experiências que fazem a gente pensar — pensar com a mente, com o estômago e, principalmente, com a consciência.
Não fui à manifestação como militante, tampouco como alguém disposta a confrontos. Fui como observadora. Fui ver com meus próprios olhos o que acontece quando um discurso de rejeição tenta ecoar em um país que, há décadas, convive, trabalha e cresce lado a lado com imigrantes.
O que encontrei ali foram dois grupos japoneses: um, ecoando o discurso do ativista; o outro, maior, mais firme, empunhando cartazes e megafones para dizer — em alto e bom som — que racismo não tem espaço no Japão.
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A ausência da comunidade estrangeira
E entre esses dois grupos, a realidade que mais me chocou: quase nenhum estrangeiro. Além de mim, pude contar apenas outras cinco pessoas. Cinco. Em uma cidade onde milhares de estrangeiros trabalham, estudam, pagam impostos e constroem suas vidas.
Não havia representatividade. Não havia defesa. Não havia presença estrangeira para dizer, de forma pacífica e legítima: “Estamos aqui. Contribuímos. Não somos invisíveis.”
O Japão não vive isolado, nem sua economia. O Japão é um país que, assim como todos os países desenvolvidos, depende em alguma medida da mão de obra estrangeira. Nas linhas de produção, nos setores industriais, nos transportes, na agricultura, nos serviços, há sempre uma presença imigrante que trabalha duro — muitas vezes mais do que deveria.
Contribuição, ausência e o perigo do silêncio
Essas pessoas pagam impostos altos, cumprem regras rígidas, enfrentam barreiras linguísticas e culturais, e, ainda assim, mantêm setores inteiros funcionando. Estrangeiros sustentam parte da estrutura que permite ao Japão continuar sendo o Japão. E, no entanto, quando surge alguém disposto a questionar nossa presença, somos nós que não estamos lá.
O que falta? Falta união. Falta consciência. Falta entender que uma comunidade não se constrói apenas vivendo no mesmo país, mas se posicionando quando necessário.
Não se trata de confronto. Não se trata de agressividade. Não se trata de ir contra o Japão. Trata-se de defender, de maneira madura e pacífica, o direito de existir, o direito de ser respeitado, o direito de trabalhar sem carregar o peso do preconceito sobre os ombros.
A necessidade de presença e posicionamento
A resposta que o Japão entende. O Japão é um país de harmonia. É um país que valoriza ordem, disciplina, respeito, postura. E é justamente dentro dessas bases que a comunidade estrangeira precisa se manifestar. Não precisamos gritar. Não precisamos brigar. Mas precisamos estar presentes.
Quando japoneses se reúnem para defender estrangeiros, e estrangeiros não aparecem — criamos um silêncio perigoso. Um silêncio que pode ser interpretado como desinteresse. Ou pior: como aceitação. O silêncio não nos protege. A ausência não nos fortalece. A omissão não nos defende.
E a falta de organização só reforça discursos que tentam nos diminuir. Precisamos estar atentos. Precisamos estar unidos. Precisamos mostrar, com serenidade e educação, que fazemos parte deste país e contribuímos diariamente para a economia, para a sociedade e para o futuro desta nação que escolhemos para viver.
Uma presença que constrói. Somos muitos. Somos trabalhadores. Somos pais, mães, estudantes, empreendedores. Somos a mão que produz, o ombro que carrega, o coração que insiste. Estrangeiros não são visitantes ocasionais. Somos parte integral do que o Japão é hoje.
Um convite à consciência coletiva
Este não é um apelo dramático, é um convite. Um convite à consciência. À união. À responsabilidade coletiva. À maturidade social. Que possamos deixar de ser coadjuvantes da nossa própria história. Que possamos estar presentes quando discursos de ódio tentarem ganhar espaço. Que possamos nos posicionar com a serenidade que o Japão ensina, e com a coragem que carregamos no peito.
Não somos invisíveis. Não somos passageiros. Somos parte desta sociedade — e merecemos ser reconhecidos com respeito.
Por Rosângela Lesnock - Escritora







