Os japoneses idosos temem perturbar seus vizinhos mesmo para pedir ajuda nos assuntos mais triviais, resultando em uma falta de interação e isolamento (imagem ilustrativa)
O mau cheiro em um dia abafado preenche o ar enquanto uma equipe de limpeza se dirige a um pequeno apartamento em Tóquio onde o corpo de um homem está em decomposição há três semanas.
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O homem, que tinha aproximadamente 50 anos, morreu na solidão em uma cidade compartilhada por dezenas de milhões de outras pessoas, mas ninguém notou, tornando-o a mais recente vítima do chamado kodokushi ou “morte solitária” – uma tendência crescente em um país com rápido envelhecimento populacional.
Usando uma vestimenta de proteção completa com luvas de borracha, Hidemitsu Ohshima da equipe de limpeza levanta um colchão com marcas dos fluidos corporais do corpo do homem.
“Isso é sério”, diz ele. “Você usa roupas de proteção para evitar a entrada de insetos que podem ou não carregar doenças”.
Kodokushi, problema crescente no Japão
O kodokushi é um problema crescente no Japão, onde 27,7% da população tem 65 anos ou mais e muitas estão desistindo de tentar encontrar companheiros (as) na meia-idade, optando ao invés disso por uma existência solitária.
Segundo especialistas, uma combinação de cultura japonesa única, fatores social e demográfico agravaram o problema.
Não há índices oficiais para o número de pessoas que morrem solitárias e continuam sem serem notadas por dias e até semanas, mas especialistas estimam que seja de 30 mil por ano.
Yoshinori Ishimi, que administra o Anshin Net, um serviço que faz a limpeza “pós-morte” das casas , acredita que o número verdadeiro é “duas ou três vezes maior”.
O Japão moderno vivenciou mudanças culturais e econômicas radicais nas últimas décadas, mas demógrafos dizem que a segurança social do país falhou em manter o ritmo – com a carga ainda sobre a família para cuidar do parente idoso.
Falta de interação e isolamento
Um em cada quatro homens japoneses de 50 anos de idade nunca se casou. Até 2030, o número poderá aumentar para um em três.
O problema é exacerbado por uma tendência cultural japonesa enraizada de recorrer à família ao invés de vizinhos em momentos de problemas.
Em uma tentativa de serem educados, os japoneses idosos temem perturbar seus vizinhos mesmo para pedir ajuda nos assuntos mais triviais, resultando em uma falta de interação e isolamento, disse Katsuhiko Fujimori, especialista em assuntos do bem-estar.
E as famílias estão cada vez mais vivendo distantes ou não têm recursos suficientes para ajudar os parentes idosos em momentos de dificuldade econômica.
De volta ao apartamento
Enquanto isso, de volta ao apartamento de Tóquio, Ohshima e sua equipe mantêm as janelas fechadas para evitar que o mau cheiro se espalhe pela vizinhança.
O quarto estava repleto com sinais de um amante regrado de música e filmes que mantinha uma vasta coleção de CDs e DVDs, mas nada mais que isso. Não havia fotos nem cartas.
A maioria dos itens são descartados, mas Ohshima e seus dois colegas verificam metodicamente os pertences mais valiosos do homem no caso da família eventualmente se apresentar e desejar ver quaisquer objetos deixados para trás.
“A polícia está procurando pelos parentes do homem”, disse Ohshima”. “Mas sem sorte até o momento”.
Fonte: Japan today, AFP
Imagem: Bank Image