Japoneses desesperados e estrangeiros idem, sem perspectivas, no Homi Danchi, por exemplo, durante a crise (Wikipedia)
A crise histórica tem nome: Lehman Shock. Foi a recessão global desencadeada pelo maior pedido de falência da história dos EUA, marcando o mundo, em 15 de setembro de 2008.
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Todos os segmentos da sociedade, incluindo os trabalhadores do Japão, foram fortemente afetados.
A inesquecível crise de 2008 teve impacto direto nas pequenas e médias empresas. Trabalhadores japoneses e estrangeiros, temporários e efetivos, todos sofreram juntos.
Os empresários foram reduzindo a carga horária dos funcionários, e na pior das situações, até chegar às demissões. Quem ganhava de 250 a 300 mil mensais teve corte de salário chegando a 70 mil ienes. Ou, perdeu o emprego. Na época viviam no arquipélago 313 mil verde amarelos.
Período de ouro
Até essa data do Lehman Shock a comunidade vivia o que soube depois: 2000 a 2007 foi um período de ouro. Trabalhadores ganhavam bem, compravam casas, comércio em crescimento, lazer, muitos eventos e só não trabalhava quem não queria.
Na época das vacas magras aprenderam a viver com menos (Flickr)
Com a situação difícil para a comunidade, a partir de abril do ano seguinte (2009) o governo japonês ofereceu uma ajuda de 300 mil ienes para retornarem à pátria. Foram 21.675 beneficiados no total, sendo 20.053 brasileiros e apenas 903 peruanos.
Arnaldo Shiowaki, da Alfainter, relembra que a agência teve muito trabalho nessa época da ajuda para o retorno. Muitos beneficiários voltaram ao Brasil ou Peru.
Crise e carimbo do não retorno
Foram cerca de 100 mil brasileiros de malas e mudança de volta. Muitos largaram carros nos estacionamentos dos aeroportos, abandonaram as casas adquiridas com financiamento. Muitos outros voltaram só com esse dinheiro.
Imagem: Pixabay
Esse carimbo da ajuda financeira sentenciou o não retorno.
Os que permaneceram no Japão, mesmo na alta maré de dificuldade, amargando meses e anos com baixo salário ou vivendo da poupança, puderam se recolocar.
100 mil voltam à pátria
Casal Hirano, da Sanshin Mudanças
Outro segmento, além das passagens, trabalhou sem parar. Foi o caso da mais antiga empresa que transporta bens adquiridos no Japão, Sanshin Mudanças, de Komaki (Aichi).
“Faturamos em 1 ano o que ganharíamos em 5”, revela Emerson Hirano, presidente da empresa. “Trabalhamos muito, intensamente”, relembra. Mas conta que foi ruim e espera que isso não aconteça novamente. “O bom é manter constância”, explica.
“Hoje ocupamos 50% do mercado de passagens, portanto a crise econômica não impactou. Ela repercutiu mais tarde”, salienta Shiowaki. Os reflexos ocorreram de abril de 2010 até o tsunami no ano seguinte. Depois veio uma outra maré ruim em 2011-2012, mas superada.
Curva decrescente a partir de 2007 quando eram 313.771 brasileiros, em 2012 caíram para 190.609, ou 123.162 a menos (governo)
Driblaram a crise mesmo ganhando pouquíssimo
Yasunori Fusasaki, da Fujiarte
A crise histórica foi uma apunhalada tanto para empregados quanto para empregadores.
Yasunori Fusasaki, da Fujiarte, cuja matriz fica em Osaka (província homônima), conta que antes da crise a empresa chegou a ter 6 mil funcionários. No auge da crise a queda foi violenta, “caiu para cerca de mil”, revela.
Um brasileiro de Iga (Mie) estava pagando financiamento da casa quando chegou a crise, não perdeu o emprego, mas teve a carga horária drasticamente reduzida. Superou a crise e continua trabalhando na mesma empresa.
José Aparecido Lopez, 51, residente em Toyota (Aichi) disse para o Jiji Press que foi um dos que sofreu o corte na ocasião. Trabalhava em uma indústria automotiva em Okazaki como haken shain. “Mesmo ganhando pouco trabalhei no que aparecia. Compartilhamos trabalho entre todos”, relembra.
‘Otimismo causou grande prejuízo’
Roberto Martins, Bellmart
Roberto Martins, dono do Martins Group e loja Bellmart abre o coração. “Quando começou a crise não acreditei que ia durar, tanto que abri mais 2 lojas, pois estavam no projeto. Cheguei a 5 lojas. Esse meu otimismo causou grande prejuízo, pois tivemos que pagar as dívidas”, confessa.
Na sua cabeça questionava “como poderia ter crise se as pessoas compravam mais carne e outros alimentos”.
Compreendeu logo que seus clientes estavam cozinhando mais em casa e não comendo no restaurante funcional. Afinal, muitos perderam emprego ou os que foram mantidos trabalhavam com carga horária menor.
Lidou com essa dura realidade: “com a crise veio a falta de mão de obra, quando resolvi vender as lojas e enxugar a estrutura. Agora trabalhou mais tranquilo e com mais foco”.
Aprenderam a viver com menos
Pinterest
Sob seu ponto de vista “as pessoas aprenderam a viver com pouco e economizar. Se antes compravam 2Kg de carne por semana, passaram a comprar meio quilo”. Era o que ouvia de seus clientes.
Durante os dias amargos cortaram bolachinhas, sucos, azeitona, palmito, produtos de limpeza e outros considerados supérfluos. Mas a sua loja teve aumento nas vendas de café, feijão e arroz.
Uma mudança ocorreu no comportamento dos consumidores verde amarelos. Passaram a fazer mais compras nos supermercados japoneses. Isso continuou mesmo depois da crise, pontua Martins.
Crise x terremoto de 2011
O Grande Terremoto ao Leste do Japão em 11 de março de 2011 ficou cravado no coração, com luto pela perda de milhares de pessoas na tragédia.
Economicamente também afetou o país. Ainda tentando se recuperar da crise, o terremoto e tsunami desestruturam o Japão.
“Logo depois do tsunami, novamente, muitos resolveram voltar, por isso, o setor de viagens não foi afetado”, relembra Shiowaki.
Alfainter se fortaleceu com a crise, inovou e obtém 50% da fatia do mercado de passagens (India Flights)
Tendo experimentado duas crises consecutivas mudança no comportamento foi observada também em relação ao planejamento. “A imagem é de que o povo brasileiro não se programava. Faz 2 a 3 anos, os clientes passaram a se programar nas viagens. Em abril ou maio já começam a comprar passagens para o Brasil”, conta Shiowaki. “Assim desfrutam de preços mais em conta”, explica.
O que pode ter sido o gatilho para isso foi uma inovação que a Alfainter fez na forma de se comunicar com os potenciais clientes. Uma das pioneiras nas propagandas na rede social Facebook ajudaram nessa mudança, explica Shiowaki.
A importância dos relacionamentos
A Fujiarte se recuperou e até aumentou o quadro na pós-crise. “Atualmente são 9 mil, maioria brasileiros”, detalha Fusasaki. Durante o amargo período manteve todos os relacionamentos, por isso, assim que a economia voltou a melhorar as contratações foram retomadas.
Relacionamentos firmes e duradouros (Pixabay)
Da mesma forma há relatos de trabalhadores brasileiros que tinham bons relacionamentos foram chamados de volta nas indústrias.
Kaizen durante o período de incertezas
Por outro lado, a Fujiarte realizou “investimentos em treinamento e ensino de japonês para os funcionários, fez melhorias administrativas e de tecnologia, no atendimento aos funcionários, com foco no cumprimento de leis. Tudo conforme a filosofia da empresa e do presidente”, destacou Fusasaki.
Assim, tanto a Fujiarte como as fábricas atendidas por ela voltaram a crescer nos últimos meses. Houve aumento de demanda por trabalhadores.
Aumento de entrada dos brasileiros no Japão (Fly Away e Pixabay)
Perspectivas futuras
Os brasileiros estão retornando ou vindo pela primeira vez ao arquipélago em busca de seus sonhos. Atualmente (dez/2017) são 191.362 vivendo nas 47 províncias. O crescimento anual não é como há mais de uma década.
Segundo Fusasaki “a projeção é positiva. Com a falta de mão de obra no Japão o governo está incentivando a entrada de mais estrangeiros. Não sei se volta a ter 300 mil brasileiros, mas creio que 220 ou 230 mil será alcançado em breve”.
Para Martins também há expectativa de aumento da população verde amarela. Ele sente isso na loja, ao receber novos residentes. Como Fusasaki não acredita que volte ao período de ouro, mas “acredito no aumento da comunidade”, reforça.
A curva voltou a crescer desde 2016 e deixa empresários otimistas
Fotos e tabelas: governo, arquivo, Fly Away, India Flights