A pandemia de coronavírus produziu uma explosão mundial de pesquisa que ultrapassou peer reviews (revisão por pares), sugerindo uma nova tendência em ciência de saúde pública que favorece velocidade sobre canais estabelecidos.
Em 4 meses, cerca de 10 mil documentos de pesquisa foram produzidos sobre o novo coronavírus que emergiu em Wuhan, na China, em dezembro de 2019, de acordo com dados globais compilados pelo National Institute of Science and Technology Policy (NISTEP). Isso se compara a somente cerca de 100 sobre a SARS (síndrome respiratória aguda grave), desde 7 meses após o início do surto em 2002.
Grande parte do volume da pesquisa sobre Covid-19 vem da China e dos EUA, e ultrapassou o processo tipicamente de 1 mês de verificação científica conhecida como peer review, indo ao invés disso direto para sites online na forma de preprints (pré-publicações).
“A tendência da disseminação de preprints pode estar aqui para ficar”, independentemente dos méritos de pesquisa atual, disse Miho Funamori, professor associado do Instituto Nacional de Informática em Tóquio.
A China liderou em termos de números de preprints relacionados ao coronavírus desde 21 de abril, com 545, seguida pelos EUA com 411, de acordo com dados do NISTEP. O Japão ficou em 8º lugar com 31, atrás do Reino Unido e Itália. A produção de pesquisa dos países mostra uma correlação com o número de casos domésticos de Covid-19.
O surto relativamente leve no Japão o deixou com menos dados de pacientes com Covid-19 – um fato que também desacelerou um ensaio clínico para potencial tratamento com o antiviral Avigan.
A proliferação de pesquisa para coronavírus não tem sido sem controvérsia. O ilustre jornal médico The Lancet retraiu recentemente um estudo sobre os efeitos do medicamento antimalária hidroxicloroquina sobre pacientes de Covid-19. A ação seguiu questões sobre os dados essenciais e como eles foram aprovados.
Vários fatores contribuíram para produção mais rápida de pesquisa sobre Covid-19, a qual, como a SARS, é uma doença respiratória causada por um tipo de coronavírus.
Além de uma escala muito maior da atual pandemia comparada com o surto da SARS, avanços em sofisticação de pesquisa e velocidade, assim como ferramentas digitais como dados de compartilhamentos podem ter tido efeitos complementares, de acordo com a equipe do projeto no NISTEP.
O aumento de preprints – estudos que ainda devem ser publicados em um jornal peer review– caracterizou o volume de pesquisa sobre Covid-19. Cerca de 4,7 mil de estudos relacionados ao coronavírus foram postados no bioRvix e medRxiv, dois sites na internet que trazem preprints.
Algumas dessas pesquisas não publicadas reuniram interesse mundial. Um estudo nos EUA sobre o que permitiu ao novo coronavírus pular de animais para humanos, com coautoria de pesquisadores do Laboratório Nacional de Los Alamos, foi revisto mais de 270 mil vezes. A pesquisa investigou se uma mutação que afeta a estrutura de proteína da superfície do vírus a torna mais hábil para infectar células humanas.
Confrontados com a urgência da pandemia, alguns jornais tradicionais tentaram acelerar peer reviews, um esforço que levou a um aumento de estudos publicados. Inteligência artificial também foi usada para peneirar várias pesquisas. Em um exemplo, a companhia de análise de IA sediada em Tóquio, a Fronteo, está focando na pesquisa para medicamentos candidatos para Covid-19.
Além de pesquisa sobre o vírus em si, a pandemia levou a uma força internacional mais ampla de conhecimento, como o compartilhamento de designs de ventiladores. Mas o ritmo arriscado de pesquisa atingindo a internet levantou questões sobre se precisão científica está sendo sacrificada para velocidade.
Um manuscrito de preprint publicado em janeiro por pesquisadores indianos sugeriu que o novo coronavírus pode ter sido criado pelo homem, apontando similaridades com proteínas no HIV. O estudo espalhou controvérsia e foi eventualmente retraído. O estudo envolvendo Los Alamos também atraiu dúvidas.
“Devemos evitar resultados em que pesquisa falha se torna base para políticas públicas que ferem as pessoas”, disse Eisuke Enoki, especialista no Japão sobre pesquisa ética.
Fonte: Asia Nikkei