O jornalista Shota Suzuki, da NHK de Fukui, preparou uma reportagem especial, com uma família brasileira, acompanhando o dia a dia e a ansiedade para saber se poderão continuar a viver juntas.
A família é composta por Lorena, Letícia e a filha Sofia (nome fictício para não expor a criança), 7 anos, residente em Echizen (Fukui). Narra que a esperança do casal é apenas: fazer as refeições juntas, rir juntas e dormir juntas. Isso por causa do temor da aplicação do visto da pequena não ser aprovado.
Sofia gosta de comer doces, brincar no parque e desenhar. Na folha em branco, o que retrata sempre são as 3 juntas. Porém, as noites que antecedem a chegada da resposta da Imigração, são tensas para o casal.
Lorena é nikkei, de terceira geração (sansei), e vive no Japão há 20 anos, trazida pelos pais quando tinha 17. Letícia veio ao Japão há 3 anos para viverem todas juntas, depois de terem se casado formalmente no Brasil (união homoafetiva). Elas se conheceram há 5 anos.
Vivem em Echizen porque Lorena já tinha uma base de trabalho na cidade. Sofia é filha biológica de Letícia, fruto de seu anterior casamento. O sonho delas é poder continuar vivendo em terras nipônicas, de forma tranquila.
Casamento homossexual de estrangeiros no Japão
Foi difícil para Lorena encontrar as informações corretas para um casal estrangeiro, do mesmo sexo, permanecer no Japão.
Sem encontrar solução, o tempo passava e a pequena Sofia continuava no Brasil. Isso significa muita incerteza na vida delas, apesar de ser algo aparentemente tão simples: apenas querem viver todas juntas.
Sofia, que é frágil, era frequentemente hospitalizada. Houve momentos que chegava da escola com uma lesão e ligava para a mãe chorando. Os dias de tristeza continuaram para o casal, pois a menina ficou no Brasil. Ela só veio ao Japão com visto de turista, no ano passado.
Em casa, o jornalista perguntou para Sofia como foi quando esteve longe da mãe, no Brasil. “Não quero mais. Não gostava de ficar sozinha, sem minha mãe lá”, respondeu. Mesmo a mãe dizendo, “fale filha”, ela se calou e se deixou ser abraçada por Lorena, com rostinho de choro.
Dificuldades do casal homossexual
Como o Japão ainda não reconhece a união estável, há uma dificuldade para a obtenção dos vistos da parceira e da enteada. Se fosse um casal heterossexual, uma pessoa tendo o visto de residência de longo prazo (定住者), a parceira obteria o visto mas no caso da filha é incerto. Não há garantia da solicitação ser concedida, ao contrário do casal heterossexual.
Depois de feita a aplicação na Imigração, as duas conferiam todos os dias a caixa do correio.
Finalmente, o comunicado da Imigração
O jornalista relata que faltando apenas um dia para vencer o visto de turista da Sofia chegou o cartão com a resposta. Foi em 30 de março.
“Ainda penso ‘será que estou sonhando’. Ainda estou vivendo essa realidade com a qual não estou acostumada. Sofia está muito feliz por poder ir à escola e está cheia de expectativas”, contou Lorena. A Imigração concedeu 1 ano de visto de permanência para a menina.
Após um ano, elas terão que solicitar novamente a renovação do status de residência. Além disso, voltarão os dias tensos com o medo da separação.
“Se o casamento homoafetivo fosse reconhecido e aceito no Japão, acho que não teríamos que passar por tanto sofrimento e humilhação. Acredito que todos deveríamos ter os mesmos direitos, sem discriminação da raça, cor, religião ou orientação sexual. Somos todos seres humanos e não somos diferentes de uma família considerada ‘normal’”, desabafa Lorena.
“Somos uma família normal, como qualquer outra. Queremos estar juntas como uma família. Isso é tudo”, pontuou Letícia.
O que diz a Imigração
O jornalista da NHK perguntou para a Agência de Serviços de Imigração sobre como são tratados os casos de união estável e enteados. “Se for comprovado que há um histórico de apoio a uma criança e há necessidade de custódia e criação, é reconhecida a permissão para entrar e permanecer no Japão”. Na verdade, Sofia foi autorizada a ficar. No entanto, pelo período foi de 1 ano, em vez dos 5 anos. Com relação ao futuro, o porta-voz entrevistado disse que “neste momento não há plano específico sobre os enteados”.
Se o sistema não mudar, as famílias com enteados como Sofia continuarão com grande ansiedade. Tanto no exterior quanto no Japão, existem várias formas de pensar sobre o casamento, e há muita discussão sobre isso. “Esperemos por uma discussão mais aprofundada”, avaliou o jornalista.
Fonte: NHK